18/07/2012

ROTA DE FUGA

Búzios foi uma rota de fuga em mil novecentos e setenta e cinco, eu vinte anos, ex-noiva, família boa mas desajustada, lá encontrei o que perdi no paraíso e até hoje busco: estradas de terra, lampião a gás, confiança, velas, casas de pescadores na beira da praia sem perigo, portas abertas, muita juventude, muita mesmo, éramos muito muitíssimo jovens, o que nem sempre acontece com as pessoas, esse intervalo de tempo em que se é JOVEM. No meu tempo SER JOVEM era UMA COISA. Tínhamos direito a tudo, a cometer erros, cometer aventuras, jovem servia para isso mesmo: transgredir, transar, rir, criar, pegar a estrada, abrir caminhos. No meu tempo de mocinha todo mundo fumava e bebia, e não fazia mal (ainda?), o sol não tinha ozônio, era sol mesmo, e éramos todos bronzeadérrimos. Hoje a moda é ser branco. Não quero implicar porque as uvas dos jovens de hoje estão verdes, nem tenho inveja assim tanta, tenho inveja de mim mesma, do que fui. E como eu era uma jovem muito solta, mas que estudava e tinha juízo, amadureci sem vícios, e começo a envelhecer de novo, se eu acreditasse em reencarnação. Digo isso porque nasci com muitos conselhos guardados na cabeça. Desde muito cedo minha mãe me obrigou a aconselhá-la e eu obedeci. Desencavei, gostei e peguei mania. A vida dos outros sempre me pareceu clara, simples de resolver, nem que fosse com um: Fuja! Como diria meu pai (técnico de basquete), sempre fui craque (não crack) em escapulidas. Escreveu, não leu, eu escapava como água entre os dedos: de ônibus, de carro ou de carona. Já fugi de pai, de mãe, de namorado, de amante, de casa alugada, de emprego. Quando eu digo FUGIR, não é sair às escondidas, de repente, no escuro e nunca mais voltar. Há fugas discretas, paulatinas, preparadas com muita antecedência e realizadas devagar. Quando saí da casa da mamãe pra morar em Copacabana com meu pai, fui levando minhas coisas aos pouquinhos. Quando minha mãe se deu conta, eu já não morava mais lá. A Aldeia de Geribá, entre pescadores, jovens, violões, muita música, muita farra, foi meu ponto de fuga, o ponto cego onde ninguém me via. Lá fui feliz, mesmo que no Rio de Janeiro eu não fosse. Lá, não usava sapatos, quer mais que isso? Os amigos começaram a envelhecer muito cedo, a morrer até. Búzios emancipou-se, hoje é um paraíso para o turismo internacional, mas pra mim é como casa de mãe: lá me sinto nova de novo. Nem fico reparando que aqui “não tinha nada disso!”, isso é coisa de velho e eu tenho horror a ficar velha, então evito esses dizeres envelhecidos. Eu disse “evito”, não disse que não falo. Claro que, sempre que alguém me sugere conhecer a Praia da Ferradurinha, eu digo que nasci nela em mil novecentos e setenta e cinco. Nem vem. Conheço balzaquianos que nasceram lá, no tempo em que se transava muito. Lá. Durante anos eu fui pra Búzios TODO FIM DE SEMANA, mesmo com chuva. Eu e a Beth Barata íamos pra praia de garrafinha de conhaque de mel numa mão e raquete de frescobol na outra, quer mais jovem que isso? Tem gente que, hoje, olha pra “Glória de Búzios” de soslaio, crente que eu vou tomar conhaque de mel e sair jogando frescobol na chuva, gente desatualizada. Envelheço, tenho apartamento, carro, filha, neta, cabelos brancos, amigos mortos, amigos velhos, e novos amigos. Posso ter mil defeitos, mas sempre tive JUÍZO. Tanto tenho, que acabei de comprar uma casinha em Búzios, hoje-agora, como diz minha neta, em sociedade com um amigo meu que mora em Brasília, o Márcio. Tem gente que acha que isso é uma loucura: comprar, em outubro, uma casa com um cara que conheci no réveillon. E financiada pela Caixa. Trata-se de excesso de juízo. Adoro ser meeira, já que nunca consegui casar direito. “Juízo” é um conceito muito importante, mas saiu de moda. Hoje é um dia especial porque estou conseguindo escrever. A imagem havia me roubado as palavras. Óbvio que é muito mais legal trabalhar uma bela imagem no photoshop do que escrever que envelheço todo dia e que isso não me sai da cabeça. Já que não tem solução, aceito envelhecer todo dia. A contragosto, mas aceito. Mas aceito envelhecer lá, na rede da minha casa própria em Búzios, que não é na Aldeia de Geribá, onde conheci a mocidade, é na Baía Formosa, que não perdeu a formosura nem com o passar desses anos todos na rua da vida, que tem mão única e destino certo. Não aceito meus cabelos brancos, customizo. Pinto só metade da cabeça porque parte de mim é velha, a idade mora no pescoço. A outra metade é tão divertida e bem disposta. E tem forma de mulher ainda, deixo então mechas bem negras, para que eu nunca me esqueça de quem eu fui. Quem fui mora em mim, e nesse dentro tem uma luta de mulheres de todas as idades, luta inglória, já sabemos o final. Sempre que eu escrever sobre isso vocês me obriguem a mudar de assunto, estou viva. Tem gente, da antiga, que diz que não vai a Búzios porque é deprimente. Papo furado, como se dizia. Olhem essas fotos e me digam se Búzios pode ser deprimente. Não pode. A beleza está lá, documentada nas fotos que agora me seguem como um anexo. Tenho mania de blogs: blog da neta, de fotos, de filmes, de contos, de contos infantis, de LIBRAS, de acessibilidade. Não tem como misturar tudo isso. Cada coisa é cada coisa e cada coisa tem seu blog. Esse, que criei hoje, vai guardar as imagens belas de Búzios em dois tempos. Fotos fresquinhas e fotos escaneadas. No meu quarto tenho um baú de fotos de papel que ocupa muito espaço. Se eu confiasse na nuvem, faria cópias digitalizadas e rasgaria o resto. Sem contextualizá-las, o baú será um amontoado de imagens sem sentido: os guardados da vovó. Tá vendo? Rodeio, rodeio e já estou falando, nas estrelinhas (como diz o sobrinho-neto da Rita), do baú SEM MIM. Ora, eu estou aqui, amanhã cedo pego a estrada sozinha e vou pra minha casinha. Em Pasárgada.

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