12/09/2014

Capistrana da Vida, por Dirceu Horta

Do livro Capistrana da Vida, de Dirceu de Vasconcelos Horta
Capistrana - esclarece o Autor - é o nome atribuído às passarelas de lajotas colocadas no meio de tradicionais ruas de calçamento irregular, em Diamantina, tal como se verificara em Ouro Preto, por iniciativa do Presidente da Província, João Capistrano Bandeira de Melo.
Desde a criação do Arraial do Tijuco e depois do Distrito de Diamantina, na Comarca de Serro Frio, até os nossos dias, o Autor narra, com elegância de linguagem, a história da bela e rica cidade mineira e analisa, ainda que resumidamente, a obra dos homens que participaram intensamente da vida da cidade, elevada a Município em
6 de março de 1838. Nascido nessa atraente cidade mineira em 1921, Dirceu a tem permanentemente na sua mente e no seu coração.
Basta conversar com ele algum tempo para aferir o que ora sublinho.
Sua vida, em parte narrada neste livro, revela uma experiência multiforme, eis que caminhou por capistranas de diversos matizes.(...)
Rio de Janeiro, 23 de abril de 2002 Arnaldo Süssekind

                  
Ziraldo Alves Pinto:
“O tio é o melhor amigo do homem. Quer dizer, do homem  in formação, do menino que vai crescer e que, certamente, ficará um homem melhor se tiver tido um bom tio. Eu tive. Chamava-se Armando Horta. Ele era casado com uma irmã da minha mãe e, entre outras alegrias que me deu, me ensinou a dirigir automóvel. Ou melhor, ensinou, não. Chegou em Caratinga, minha terra, num jeep empoeirado, vindo de Teófilo Ottoni, onde negociava com pedras preciosas e me disse: "Toma esse jeep. Vai aprender a dirigir".
Só tio faz uma coisa dessas. Só tios são capazes de enlouquecer os pais. Ele adorava as coisas que eu fazia, meus desenhos, qualquer graça que eu fizesse, me exibia para os amigos. Era um homem cheio de alegria de viver, quando entrava na sala, a sala se
iluminava toda.
Mais tarde, conheci sua família inteira, sua mãe, suas irmãs, seus irmãos. Era uma família de pessoas especiais, uma gente tão poderosa, de tanta personalidade, esse tipo de gente que parece saber ocupar seu espaço na Terra, saber mover-se nela com propriedade, deixar a marca de sua presença. Eram sete irmãos, filhos de Dona Adila Celeste, a alegre e generosa Dona Adila, dos Horta de Diamantina: Wanda, Armando (que me coube por tio), Neyde, Dirceu, Antenor, Maria Célia e Marília. Conheci todos, convivi com todos, amei cada um mais a mãe deles e as duas tias inesquecíveis sobre as quais o leitor vai ouvir falar neste livro: Sinhalinda e Lourinha.
Tio Armando se casou com minha tia Santinha e dos dois nasceram Sandra e Tânia, duas primas que trouxeram dos Horta mais orgulho para a vasta família do meu avô Hortêncio. Aí, de repente, eles foram partindo. Como o Dirceu sabe que a vida tem
que continuar e que o Armando mais a Célia e, certamente, o Antenor iriam achar muita graça nesta minha piada- que eles sabem que nada tem de macabra - eu poderia dizer que ao Dirceu coube a missão de cantar a velha musiquinha caipira que aprendi em Minas, na minha infância: "Nóis era sete, fumo morrendo, fumo morrendo, agora só fiquemos eu ".
Pois não é que ficou o Dirceu, - meu Deus! - para ficar só, ver partir cada um de seus irmãos. A vida é cheia de perdas, mas, às vezes, os desígnios divinos são muito difíceis de serem compreendidos. Não me conformo com a partida daqueles meus queridos amigos brancos e de olhos azuis; não me conformo com a morte do meu herói, Antenor Horta, o maior técnico de basquete que Minas Gerais jamais conheceu, um homem maravilhoso, um filósofo tranquilo, uma pessoa de uma generosidade rara.
Aliás, generosidade é a marca principal de todos eles, tio Armando chegando às raias do exagero, no que diz respeito a esta característica.
Aí, o Dirceu resolve contar a saga de sua família e acredita que esta é a missão que lhe foi destinada. Faz sentido. Alguma explicação tem que existir para justificar o fato de sua infância -que para cada um de nós está, em qualquer tempo, sempre próxima - tenha se desmaterializado assim, no ar, sem uma explicação plausível.
Dirceu andou buscando esta explicação e descobriu que ele tinha que fazer este gesto: escrever um livro!
O livro eterniza as coisas. O livro é o depositário de nossa memória, o registro de nossa passagem pela Terra. Um livro é para sempre, vira marca, vira sinal. É isso aí, Dirceu, este é um livro necessário.
Como brilhante e respeitado advogado e juiz que foi, Dirceu domina o uso das palavras e confia neste mister para, primeiro, localizar no tempo e no espaço a geografia de suas origens. Eles vêm da lendária Diamantina e aqui, o leitor vai poder acompanhar, na visão acurada do autor, a história do Arraial do Tijuco; vai entender o significado de cada pedra das ruas tortuosas da mais mineira de todas as cidades; vai caminhar pela capistrana que inventaram para que o diamantinense não perdesse seus passos pela vida.
E o leitor vai se emocionar com esta saga e ficar conhecendo um pouco mais da alma da gente de Minas.
Você está certo, Dirceu, eu tive o privilégio de começar minha vida em Belo Horizonte, participando da oportunidade de, todos os sábados, ir lá pra Rua Pernambuco ser feliz na luminosa casa de Dona Adila, dançar com a Maria Célia, ver a Marília acabar de ficar mocinha, ouvir os poemas da dona da casa e me orgulhar de dizer aos colegas que era amigo do Antenor, que fez tudo para que eu aprendesse - sem conseguir - a jogar basquete.
Fico com pena de quem não pôde conhecer e conviver com esses Horta tão fantásticos. Por sorte, o Dirceu achou que o fato dos seus irmãos o terem deixado aqui sozinho soou como uma ordem: "Vai, Dirceu, conta pro povo como é que a gente era, como é que a gente foi, como é que a gente deixou tanta saudade".
Por sorte, eu sabia, mas, por ser um privilegiado, fiquei sabendo mais agora.
E primeiro.
Ziraldo

                  
O INICIO
Como se vê, Diamantina, quando arraial do Tijuco (Distrito Diamantino), não teve dias tranquilos em sua jornada, mas a persistência de seus filhos e sua criatividade não só lhe dotaram de capistranas materializadas nas suas ruas, mas traçaram-lhe a capistrana imaginária, a fim de tornar-lhe menos árdua a trajetória, indo-lhe lugar de destaque na história do nosso país. Posição que hoje incontestavelmente assegurada.
Foi naquela terra que no dia quatro de agosto de 1921 Deus proporcionou-me a graça de vir à luz e iniciar o trajeto da capistrana da vida.
Eu, o quarto filho de Antenor Alves Horta e Adila Celeste de Vasconcellos Horta. Precederam-me meus irmãos Wanda, Armando, e Neyde, vindo depois Antenor Francisco, Maria Célia e Marília.
Pergunto-me cotidianamente por que todos partiram para outra vida e só eu permaneço. Compenetro-me de que me resta uma missão a cumprir.
Tínhamos como avós paternos Francelino Alves da Silva e Maria Júlia Alves Horta e maternos Vicente Ribeiro da Silva Vasconcellos e Therezinha de Menezes Vasconcellos. O sobrenome Horta veio da nossa bisavó Matilde Rachel de Araújo Horta, como se usava naquela época. Meus bisavós maternos foram Juscelino Joaquim de Menezes e Maria Carolina de Menezes.
Quando eu nasci, todos os meus avós, à exceção de vovó Therezinha, já haviam falecido. Meus antepassados, até encontrar a origem portuguesa, eram todos naturais do Serro ou de Diamantina.
Da avó Therezinha, ouvi muitas estórias. Foi uma mulher bem-nascida, bem-casada,  mas teve lances de sofrimento bem acentuados, inclusive duas vezes viúva; no primeiro matrimônio não vieram filhos, no segundo, quando faleceu o meu avô Major Vicente, quatro filhos ainda crianças ficaram. O mais velho, o Majorzinho, que tomou o nome do pai Vicente, estava com cerca de onze anos, e Therezina Olinda (Sinhalinda), Adila Celeste, minha mãe, e a caçula Maria Dolores (Lourinha), eram todas crianças.
Meu avô Major Vicente (membro da Guarda Nacional) quando se casou com a vovó Therezinha, também era viúvo e trouxe duas filhas do seu primeiro casamento, cujos apelidos Sinhá e Inhá lhe foram dados pelos escravos, que, diga-se de passagem, permaneceram na nossa família, mesmo após a Abolição.
A minha tia Sinhá casou-se com o Professor Francisco Brant, que foi Diretor dos Correios de Diamantina e mais tarde professor e Reitor da Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais. Constituíram numerosa família e muitos descendentes ainda vivos, residem em Belo Horizonte.
A tia Inhá, a quem não conheci, casou-se com o Dr. Simão da Cunha Pereira, médico, político, que foi deputado federal, e residiram sempre na cidade mineira de Peçanha. Não os conheci. Também deixaram numerosa prole. Não sei se àquela época o meu avô Major Vicente, que residia na cidade de Serro, já estava casado com a vovó Therezinha. Contudo, lá está ainda a casa que foi sua na praça que se chama Cavalhada e que lá está até hoje, reduzida na sua extensão para dar lugar à pequena rua que nasce na praça.
A propósito, em Diamantina, ele e vovó, logo que se casaram, residiam com Sinhá e inhá na Rua do Contrato para a qual faz frente à casa da Chica da Silva. Na fachada daquela casa, em toda a sua extensão, vê-se sobre a sacada uma parreira plantada no quintal e puxada para a frente do prédio, a qual até pouco tempo produzia uvas.
Como uma de suas filhas, não sei se Sinhá ou Inhá, passou a namorar um jovem que residia na casa contígua, contou-me vovó, resolveu o Major Vicente vender o imóvel. Eram rigorosos e severos os costumes da época, notadamente no que tange ao relacionamento dos jovens. Em razão dos rigores,  a inexistência do telefone e dificuldade de comunicação, surgiu a Serenata, uma das poucas maneiras de que dispunha o jovem para se declarar à sua amada.
Igualmente, mamãe não encontrou moleza para se casar com papai. Apesar de ser a família Horta, tradicional em Diamantina, seu pai, Francelino, expert e comerciante de diamantes. Antenor, meu pai, tinha alma de boêmio. Espirituoso, frequentava
as as boas rodas, e para não fugir ao costume da terra, era chegado a uma serenata "bem regada”.  Meu avô já era falecido. A austeridade, e consequente
conservadorismo da vovó Therezinha não endossavam o gênero que
Antenor fazia. Todavia, mamãe como as suas irmãs Olinda(Lilinda) e Maria Dolores (Lourinha) foram educadas no Colégio Nossa Senhora das Dores. Mamãe era a mais avançada: tocava bandolim, fazi poesias, e escondia livros de Júlio Verne debaixo do colchão.
Tomou-se de amores pelo Antenor, logo que ele regressou de São Paulo, onde cursara a escola de Direito até o 4o ano.
A viagem de Diamantina para São Paulo, a estada ali e o curso de Direito eram dispendiosos. A situação financeira do seu pai Francelino, por uma série de fatores - a Abolição, redução na produção de ouro etc, impediu que ele continuasse seu curso, o que o levou a exercer a advocacia como provisionado.
Em Diamantina, àquela época, mantinha-se a tradição da missa da madrugada, celebrada às 4 horas. Habitualmente a ela se socorriam os os recém-saídos das serenatas ou dos bailes. Certa vez, vovó Therezinha, acompanhada de minha mãe, ao ingressar na Sé (Matriz), deparou-se com meu pai recostado num banco, ao final da igreja, num cochilo mais profundo. Sem perda de tempo disse: "Eis, minha filha, o homem a quem você ama... "
A resposta de minha mãe foi imediata: "se isto é defeito, meu amor é caridoso".
E foi assim que se casaram e de sua união vieram os sete filhos.
Mas meu pai sempre manteve aquele espírito boêmio e gozador. Ele era muito amigo de um senhor João Carlos, de uma família tradicional em Diamantina, pessoa dotada de sentimentos nobres e humanos, sempre solidário aos que dele precisavam. Havia outro João Carlos, tido e havido como um impiedoso agiota. Aliás, na verdade, bastante exercida em Diamantina. Mas, dos que conheci, nenhum foi bem sucedido.
Voltando à história, certo dia alguém veio ao meu pai e noticiou: "O João Carlos morreu". A resposta não se fez esperar: "Qual deles? O que chora ou o que faz chorar?". Felizmente foi o último.
Conta Cícero Caldeira Brant, meu padrinho, em seu livro Memórias de um Estudante, em que usa o pseudônimo de Ciro Amo, que quando estudantes em São Paulo e residentes na pensão da Rua Marechal Deodoro, 14, em novembro de 1904, eclodiu no Rio a revolução chefiada por Lauro Sodré contra o Presidente Rodrigues Alves.
A situação no Rio era gravíssima.
"Antenor Horta fez um troça perigosa, ...chegou à janela que dava para a rua e começou a gritarViva a Revolução!... Viva o Dr. Lauro Sodré! Morra Rodrigues Alves!
Tentamos arrancar Antenor da janela dizendo-lhe:
—É uma imprudência! Uma loucura! A polícia invade a casa!
— Pois então eu desço! exclamou ele.
E desceu até a porta da rua, já cheia de policiais e bombeiros por causa dos gritos sediosos.
Quando os soldados avançaram para prendê-lo, o Antenor tirou do bolso um revólver.
— Afastem-se que eu atiro!
Os soldados recuaram correndo, mas vieram voltando colados à parede...
O Antenor, à porta da pensão, fingia que não os via. Mas, quando chegavam perto, apontava-lhes o revólver e eles fugiam de novo.
Depois de brincar assim por mais de um quarto de hora, o Antenor atirou no meio deles o revólver, gritando:
—  Covardes! Vejam do que vocês estão correndo!... De um revólver de criança!
Só então os bravos e valentes soldados agarraram o Antenor e o levaram para a polícia. Horas depois foi ele posto em liberdade".
Não houve habeas corpus.
Em Diamantina, haviam levado a peça teatral Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo. Meu pai fez o papel de Jesus.Logo após a sua apresentação, quando viajava de trem para Belo Horizonte, parou em Corinto, onde se fazia baldeação. Alguém, ao vê-lo, contou que estavam levando naquela noite, a Vida de Cristo, mas estava enfermo o jovem que faria o papel de Jesus.
Arguindo que era a mesma peça levada em Diamantina, pediram-lhe se seria possível passar ali aquela noite. Aceitou a substituição. Corria a exibição; o Cristo já crucificado, cabeça pendida. Chegou a hora do fel, que haviam esquecido. Veio o
corre-corre. Alguém pegou a esponja presa à ponta de um bambu - estava seca — e perguntou: onde molho está m? Alguém respondeu:
- Na cachaça que está aí ao lado.
Molharam e a levaram à boca de
Cristo, que erguendo a cabeça pediu:
- Mais fel! Mais fel!
Desde crianças, meus irmãos e eu aprendemos a respeitar admirar uma figura querida, talvez, hoje o decano dos diamantinenses, o Dr. José Geraldo Jardim. José Jardim teve uma irmã Elvira - que se casou com meu tio Majorzinho - filha de D. Perciliana, irmã do Arcebispo D. Serafim e do Dr. Catão Jardim, avô materno do Dr. Ivo Pitangui, filho da D. Stael e do Dr. Pitangui.

Conta José Jardim que de certa feita, por ocasião de uma das campanhas políticas em que se achava envolvido, meu pai lhe disse:
- Vocês são inocentes — não sabem fazer o jogo da política. Quem bem o fazia era o nosso líder, X, quando da campanha da Aliança Liberal.
E narrou:
- Quando à noite o pessoal fazia o footing pela Capistrana, o X me pegava pelo braço, levava-me até a sacada do prédio do Ponto Chic (era o bar central mais frequentado da cidade) e dizia:
- Antenor, faça um discurso para abrir o nosso comício. Começava eu a falar. Se os transeuntes parassem e aplaudissem, ele me puxava para trás e tomava a palavra. Se não dessem atenção ao meu discurso, fracassando a iniciativa, ao lhe perguntarem:
- O que foi aquilo, que vexame?  Respondia:
- Bebedeira do Antenor.
Era assim o meu pai e sua maneira de ser — sua inteligência, espírito jovial e honestidade fizeram minha mãe admirá-lo sempre. A nós, seus filhos, legou-nos a firmeza de caráter. Exerceu por certo período a profissão de jornalista, na Imprensa Oficial de Minas e a advocacia criminal em Diamantina e circunvizinhança. Faleceu logo que terminei meu curso ginasial.
Voltando à minha infância. Aos três anos, vítima de uma permanente bronquite e constantes distúrbios intestinais, fui para a casa da vovó Therezinha, uma vez que mamãe, como funcionária do Telégrafo, não dispunha do tempo necessário à assistência permanente que meu estado de saúde exigia. O tempo foi passando e acabei residindo na casa da minha avó sob seus cuidados de minhas tias Maria Dolores (Lourinha) e Olinda (Lilinda) que me tomou à sua responsabilidade direta e foi a minha segunda mãe, de quem nunca me esqueço com gratidão e saudade, pelo carinho que me dispensou e sacrifício que fez por mim.
Lembro-me bem de vovó Therezinha quando, certa manhã, levou-me, aos cinco anos, para fazer a primeira comunhão. De formação rigorosamente católica e no estilo português, sempre trajada de preto, por ser viúva, usava várias saias que, da cintura, iam até os pés; na parte superior do corpo, um jaleco ou jaqueta e, quando saía à rua, sobrepunha uma capa longa e bonita. Ao sairmos de casa aquela manhã segurando-me pela mão ela se pôs a orar em voz alta, para que eu acompanhasse, sempre se referindo à beleza e grandeza do ato que eu iria praticar pela primeira vez. Igualmente era hábito seu levar-me à igreja de São Francisco, em cujos carneiros foram sepultados seus pais, meus bisavós, Juscelino Joaquim de Menezes e Maria Carolina de Menezes, falecidos, respectivamente, em 1900 e 1901.
Residíamos na Rua do Amparo, e no prédio à frente da minha casa moravam José, Jadyr e Érico Mandacaru Guerra com seus pais Joaquim Guerra e D. Edênia Mandacaru Guerra e seus avós paternos José Marques Nogueira Guerra(Sr. Guerrinha) e D. Etelvina Felício dos Santos Guerra, filha de Joaquim Felício dos Santos (D. Vivica). Os três irmãos, pouco mais velhos do que eu, eram os amigos com quem eu e meu irmão Armando tínhamos permanente contato, uma vez que o Antenor Francisco, apesar de afilhado de D. Edênia, teria três anos de idade. Eles, como eu, frequentaram a Escola Urbana de Diamantina, dirigida pela afamada e competente professora já referida D. Gabriela Augusta Neves (D. Biela) e compuseram a primeira turma formada no recém-fundado ginásio Dimantinense.
Nas minhas reminiscências, não posso deixar ausentes mais três grandes amigos. Os irmãos Daniel, Geraldo Edson e Belmiro Nascimento, contemporâneos não só na escola primária, como no ginásio. Dos três, resta Daniel, o mais velho, sempre gentil, cordial e amigo, residente em Diamantina. Casou-se com Elza Ramos, também minha amiga, e o casal forma a base de uma bela estirpe, constituída por sete filhos e dezessete netos. Geraldo e Belmiro, prematuramente mortos, o primeiro, por volta dos cinquenta anos e Belmiro, com vinte anos, mais ou menos. Diamantina sofreu grande perda. Lembro-me bem das peças teatrais em que tomávamos parte Belmiro e eu. Geraldo casou-se com Maria Antonieta Machado, exímia pianista, que encantava a todos com sua musicalidade. Como os irmãos, Geraldo era bom orador e também poeta. Foi prefeito de Diamantina. Da autoria do casal é a bela canção Joia Rara, enaltecendo os encantos de Diamantina:
Diamantína é uma joia rara
Que refulge clara sob o céu de anil
Tem mil encantos que alegram quantos
Ali se apoiam para viver em paz!...

Tem o diamante de pureza extrema
E a sempre-viva de florir constante
Que se refletem em seus nobres filhos
Aumentando o brilho de sua linda história
Plena de glória e de lances bravos
Promessa heróica para o seu porvir...
É essa terra iluminada e clara
De ar alegre sempre a sorrir
Que mostra a graça de uma grande raça
Venceu maus fados e se tornou fanal
Co'a resistência de rocha severa
Ou com encantos de polida louça
Tem ar sereno de senhora austera
E faceirice de menina moça.

O Jornal A Voz de Diamantina, no seu número 5, esclarece:
O nome Juscelino não constitui nenhuma novidade na Diamantina. Juscelino ou Joscelino havia muitos. Antes mesmo do aparecimento do poema Jocelyn, de Lamartine, em 1836, ou da versão brasileira desse poema, publicado em 1875 pelo barão de Paranapiacaba.
O nome é de origem francesa, de Josse ou Josselin. Afirma que o nome era comum na França e com certeza levado para Diamantina por um minerador francês. Conclui que o mais antigo Juscelino na região diamantina teria sido irmão do Barão de Arassuaí, nascido por volta de 1811 em Itambé, localidade próxima de Diamantina, Juscelino Joaquim de Menezes, pai da vovó Therezinha.
A seguir, nomeia uma série de pessoas com o nome Juscelino, alguns descendentes do meu bisavô, dentre os quais conheci vários e refere-se a um que oficialmente tinha o nome de Juscelino Oitavo de Menezes.
O meu bisavô Juscelino Joaquim faleceu no ano de 1900 e minha bisavó Maria Carolina de Menezes em 1901, em Diamantina. Ambos foram sepultados em um carneiro que lá está até hoje na Igreja de São Francisco.
                  
O REENCONTRO DA FAMÍLIA
Ao falar do meu bisavô, importante registrar que por volta do ano de 1959, praticamente reuniu-se toda a nossa família no Rio. A minha irmã Wanda, meu irmão Armando e eu residíamos na Cidade Maravilhosa, para onde se transferiu Antenor Francisco, já casado com a carioca Cléa de Menezes. Era meu plano associar-me a ele - também formado em Direito - em um escritório, o que acabou não ocorrendo, porque ele se uniu ao Armando em atividades publicitárias.
Muito felizes, providenciamos a vinda da mamãe e nossas irmãs Maria Célia (solteira) e Marília, casada com Geraldo Bruns. Para completar a nossa felicidade, trouxemos as nossas duas tias, irmãs da mamãe, Sinhalinda e Lourinha, nossas benfeitoras, que sempre nos trataram como filhos. A elas sempre dedicamos muito afeto e gratidão, e as tratávamos com amor filial.
Só a nossa irmã Neyde, casada com Willer Ribeiro, continuou residindo em Belo Horizonte, mas sempre com visitas recíprocas, estávamos juntos. Foi um período de muito regozijo e muita felicidade. Encontrávamos sempre e nos reuníamos para comemorar as datas significativas para a família.
Mamãe, sempre alegre e sempre amando a vida, ao bandolim, Maria Célia ao violão, passávamos horas a cantar, rememorando as músicas tradicionais de Diamantina e aquelas de autoria de D. Adila. Tudo era alegria.
Do casal Wanda e Gregório vieram à mamãe as netas Elizabeth e Walevska; do Armando e Santinha, Sandra e Tânia; da Neyde e Willer, o Marco Antônio. Do meu casal com Elita; Márcia Maria e Maria Ângela; de Antenor e Cléa, Maria da Glória (Glorinha), Rosana e Antenor (Juninho); da Marília e Geraldo, Roseana, Alexandre e Mônica.
Naqueles nossos encontros, sempre havia a sessão de brincadeiras, capitaneadas pelo Armando, alegre e de bem com a vida. Era comum lembrarmo-nos das coisas engraçadas, inclusive típicas de nossa terra, dentre as quais algumas que a seguir relato.
Terra muito fria, a cachaça era intitulada de "cobertor de pobre " ou "golo ". As vezes chegava notícia do falecimento de alguém. Perguntava-se, de que morreu? "De golo ", era a resposta.
O Arcebispo D. Joaquim, sempre jovial, afirmava: Em Diamantina só os sinos não bebem, porque estão de boca para baixo.
Uma das famílias de projeção na cidade perdeu um de seus membros. O velório se fazia em casa e entre outras atenções dispensadas aos presentes, noite afora, para remediar o frio, servia-se o golo. O Tovan e Duqueu foram levar suas condolências à família. Ambos eram bons de golo e o Tovan ficou bastante inconveniente, fato que lhe custou a porta da rua. Revoltado, deu umas voltas pela cidade até que descobriu um velório no bairro do Burgalhau. Voltou à casa onde esteve anteriormente e do lado de fora gritou:
- Duqueu, deixe esse defunto aí. No Burgalhau tem um muito melhor!
Dr. Juscelino era o Governador de Minas, e surgiu no Palácio da Liberdade certo indivíduo dizendo-se diamantinense. Alegou dificuldades e lhe pediu um auxílio. Juscelino atendeu. Certo dia, trânsito congestionado, seu automóvel deu uma parada bem em frente à calçada de um bar onde o tal indivíduo tomava um guaraná. Juscelino saltou do carro, foi até ele e disse:
— Você não é diamantinense! É um mentiroso porque diamantinense não toma guaraná!
Havia um cidadão em Diamantina, de quem todos gostavam por ser educado e respeitoso, apesar de tão chegado ao golo, que seu nariz era uma bola vermelha. Daí o apelido: Vermelho. Numa certa ocasião, os funcionários do Correio encontraram uma carta subscritada para Nosso Senhor Jesus Cristo - Céu. Intrigados, abriram o envoltório e encontraram o seguinte texto: “Nosso Senhor, estou com uns compromissos a saldar e em dificuldades. Peço-lhe que me mande cem mil-réis”.
(a) Vermelho.
Os funcionários se divertiram com a estória, mas pela consideração que dispensavam ao Vermelho, resolveram se cotizar e amealharam oitenta mil-réis, que lhe remeteram. Passados alguns dias, nova carta: “Nosso Senhor, em vez d me enviar dinheiro, remeta-me pelo Banco porqueo  pessoal do Correio é ladrão”.
O mano Armando estava sempre bem-humorado. Ele dizia que pão de pobre sempre cai com a manteiga pra baixo, e que dinheiro não faz felicidade de ninguém, principalmente quando é pouco.
Numa certa noite, ao tempo da Galeria Cruzeiro – hoje Edifício Avenida Central - ele e nosso amigo Flávio Caldeira Brant tomaram uns chopes e, ao saírem, Armando pediu ao Flávio que esperasse um pouco enquanto ia ao mictório. Ao voltar, veio acompanhado de certa pessoa, que apresentou ao Flávio, afirmando tratar-se de pessoa fina, muito culta e de grande caráter. Cumpridas as normas protocolares de apresentação, despediram-se e os dois seguiram em frente. O Flávio então perguntou: - Armando, de onde você conhece esse cara?
- Lá do mictório.
Como tudo na vida, passou aquela fase e seguindo as normas do destino, de que ninguém escapa, deixando muita saudade, lá foram eles, inclusive meus sogros Américo Pastor e D. Jandyra Chaves Pastor, e cunhados. No entanto, estamos sempre solidários e amigos, minha companheira Elita, minhas cunhadas Amélia e Therezinha Araújo Pastor.

Estamos certos, Elita e eu, de que nossas filhas Márcia Maria e Maria Ângela, nossos netos Ricardo, Fernanda e Alessandra, e todos os nossos sobrinhos, já fizeram renascer em seus corações, e hão de conservar, o ideal que a todos nos embalou". 
(Dirceu de Vasconcelos Horta. In: Capistrana da Vida)

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