30/08/2014

A menina do pentelho azul


Era uma vez uma menina normal chamada Viviane. Viviane nasceu normalmente em Belo Horizonte, como as outras crianças. Largou cedo a chupeta e cresceu saudável brincando todos os dias no play depois de fazer os deveres. Viviane foi brincando e crescendo, brincando e crescendo, e foi crescendo, crescendo e cresceu.
Na aurora da liberdade incharam-lhe para sempre o bicos dos seios, a cintura afinou, as nádegas empinaram, as pernas engrossaram e entre elas brotaram, como uma esvoaçante nuvem rasteira, penugens azuis. Azuis?
         Viviane trancou-se no banheiro e pelo espelho do estojo do pó-de-arroz examinou-se espantada e guardou esse segredo a sete chaves.
         Mensalmente sangrou como uma mulher comum, mas não era uma mulher comum, era ainda uma menina que tinha entre as pernas fiapos azuis. Azuis??
         Viviane não sabia o que fazer.
Então...afastou-se dos rapazes, enfiou-se nos estudos, passou a se fazer de feia de propósito, fez o possível e o impossível para nunca ser amada nem amar. Aos vinte anos ficou séria.
No ápice dos trinta anos Viviane apaixonou-se por um homem devidamente impossível (ele era casado, tinha seis filhos, tendências homossexuais e estava justamente naquele mês indo morar pra sempre no Japão), e escreveu poemas e cartas banhados em lágrimas que guardou escondido embaixo da última gaveta do armário dos fundos do sótão.
Sempre que ia a jantares, coquetéis, banquetes, recitais de poesia, palestras, bingos, leilões, e o assunto nas rodas era pentelho, Viviane corria pro banheiro a pretexto de retocar a maquiagem.
Primeiras rugas surgiram.
Aos quarenta dedicou-se a causas nobres. Criou barriga, cachorros e cismas, foi orgulhosa, exigente e reservada como quem foge do amor. Vez por outra esfregava o ursinho de pelúcia entre as pernas à falta de um homem. Viviane nunca amou, nunca namorou, nunca foi feliz. Nunca a ninguém contou que tinha os pentelhos azuis.
Afinal, pentelhos não eram o tipo de assunto que a interessasse e pronto. Nunca se falou sobre isso.
Depois o tempo passou tanto que o corpo amoleceu e cansou-se sem que Viviane houvesse, uma só vez, feito o amor. Os seios ficaram esvaziados, pendurados e cabisbaixos. As pernocas afinaram e pipocaram, mas os cabelos todos ficaram brancos como uma nuvem rala sem coragem de chover.  
E foi só então que Dona Viviane sentiu-se uma mulher igual às outras. Igualzinha! Viviane sentiu vontade de cantar, de usar biquíni fio dental, de fazer uma tatuagem do cometa Halley entre os seios, de ter amado profundamente, com toda a força do seu coração. Finalmente uma velhinha de pentelhos brancos exatamente igual a todas as velhinhas do mundo!!!!!
A história teria terminado feliz para sempre se (sempre tem um se) não fosse a súbita aparição e sucesso internacional de uma manequim, Sheyla Leyla, que fez sucesso, amigos, amores, fama e fortuna às custas de seus excitantes e cacheados pentelhos azuis (azuis?), que eram os únicos do mundo. Ou, conforme saiu naquela matéria de capa da revista americana "the only one zull pentels in the whole wide world".



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