30/08/2014

Loreni


 

         Loreni depilava os caniços das pernas pensando em ti. Bobs nos cabelos, esmalte úmido nas unhas, creme no rosto, é hoje! É fogo depilar com cera quente, mas parece que mulher gosta mesmo é de sofrer.
Loreni que não era besta. A virgindade estava ali, intacta. Formas existiam milhares e a virgindade Loreni guardava para um homem como você. Esfregação, Loreni gostava. E como gostava. Mas casar mesmo só com casa própria e marido rico. Era assim que sempre ouviu falar. Era assim que ia ser. Enquanto isso...
         Você reparte os cabelos, tentando que os fios maiores cubram a calvície. Você se olha no espelho. Ih... a barriga está de lascar, começando a cobrir o cinto.Você murcha a barriga, troca de camisa três vezes, coloca perfume em excesso, arruma as notas na carteira de modo que as mais altas fiquem na frente, despede-se de sua velha mãe, compra flores para Loreni e vai para o ponto de ônibus.
         Você toca a campainha daquela casa de tinta descascada e ela surge, cabelos esvoaçantes, unhas vermelhas, muito batom e pouca roupa, apenas um vestidinho leve de verão, ombros sardentos de fora.
         Loreni recebe as flores e vai guardá-las na água e então você a vê, de costas, tão magra, sambando dentro do vestido justo, sem seios nem bunda, apenas dois caniços depilados surgindo no alto dos sapatos altos e sumindo no estampado da roupa e você se pergunta por que tanto tesão por essa magricela, com tanta boazuda dando sopa por aí??
         Loreni volta, te dá o braço e vocês saem.
         Você grita TÁXI! TÁXI! e pede ao motorista que os leve ao cinema. Você grita NÃO quando Loreni ameaça abrir a bolsa (que só continha pentes e pinturas). Você paga o táxi com uma nota de mil, paga o cinema com uma nota de mil, vocês se sentam na última fila e então as luzes se apagam.
         Você passa o braço em volta dos ombros magros da Loreni e ela consente. Você começa a roçar, com a pontinha do dedo, seu braço sardento e ela suspira. Você puxa Loreni para junto de si e ela vem e então você a beija, enquanto a sua outra mão, boba, percorre Loreni em busca de carne. Nada. Mal se percebem os pequenos seios. Azar, é tão bom deixar que sua outra mão percorra Loreni em busca de nada.
         Lá pelas tantas, você reduz a marcha dos afagos porque Loreni começa a pular na cadeira feito pipoca. Você viu quando alguém da outra fila olhou pra trás.
         Cinemas como esse se repetiriam toda semana, até que um dia você não aguentou mais e, aproveitando que a sua velha mãe estava em Minas, convidou Loreni para ir à sua casa.
         Ela choramingou, discutiu se ofendeu, mas foi.
         Não, você nunca vai se esquecer.
         Loreni foi de calça comprida justa e sapato alto, blusa vermelha de manga bufante, mais perfumada do que nunca.
         Você desabotoa o botão da blusa vermelha de manga bufante, e repara que Loreni tem mais sardas perto dos seios. E que suas pernas terminam em dois ossinhos pontudos. Você também vê.
         Não, você nunca vai se esquecer. Foi no sofá da sala, apenas com a luz do abajur vermelho. Loreni era virgem. Virgem e pura.
         Loreni chorou arrependida e quando ela falou em DEUS você se emocionou tanto que decidiu se casar.
         Você deixou sua mãe para sempre em Minas. Vocês se casaram numa quarta-feira com bolo e champanhe e passaram a lua-de-mel em Petrópolis, na casa de campo que seu chefe, tão gentil, emprestou.
         Depois Loreni ficou grávida e foi só durante a gravidez que você pôde apalpar qualquer coisa semelhante a dois seios carnudos. Nem engordar Loreni engordou. Ficou com a barriga pontuda parecendo postiça e as perninhas arqueadas de carregar o novo peso. Rosamaria nasceu magra feito a mãe.
         Foi quando a menina tinha mais ou menos cinco anos que começaram a buzinar nos seus ouvidos. Avisos, avisos, conselhos. A princípio você não quis acreditar, mas buzinaram e azucrinaram tanto que, por via das dúvidas, um dia, de longe, sem ser visto, você a seguiu. Seu coração só faltou estourar quando, a três quadras de casa, Loreni entrou no carro do seu chefe e ele a beijou.
         Nesse dia você até bebeu. Chegou em casa tão tarde, e Loreni, magra e calma como sempre, serviu um delicioso jantar. Você não disse nada. Você não disse nada, mas talvez Loreni soubesse que você sabia, que você estava bêbado porque agora sabia.
         No dia seguinte te disseram lá na repartição que o seu chefe tinha largado a esposa gorda dele, e você pressentiu: pela magreza da Loreni. Naquele mesmo dia ela foi embora com ele e a menina, pra Petrópolis.
         E agora você fica aí, com essa careca, essa barriga cobrindo o cinto, na janela da casa própria, todo dia, esperando a volta da Loreni.
         É melhor que você traga sua velha mãe de volta de Minas, arranje outro emprego e esqueça.
         Loreni casou no Uruguai.



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